O Fado e o Destino que marcam a História de dois Vencedores
Estávamos
nos anos 70, no apogeu da revolução mourista, vivia-se um novo ciclo na
Histórica do Toureio a Cavalo, proliferavam novos valores que davam
continuidade à época de ouro de Mestre João Núncio, Manuel Conde, David Ribeiro
Telles, José Maldonado Cortes, José Samuel Lupi, José Mestre Batista e Luis
Miguel da Veiga, entre muitos mais. Lado-a-lado com os da nova vaga que surgiam
e de que eram principais intérpretes João Moura, João Ribeiro Telles, Paulo
Caetano e Rui Salvador, pontificavam ainda em força cavaleiros como Emídio
Pinto, Sommer d’Andrade, Frederico Cunha, Gustavo Zenkl e José João Zoio, entre
outros.
Do
Alentejo chegava um jovem cabeludo, de sorriso franco e contagiante alegria
chamado Joaquim Manuel Carvalho Tenório, mas que nos cartazes se anunciava como
Joaquim Bastinhas, alcunha que herdara de seu pai, cavaleiro amador e exímio
equitador, um apaixonado do campo e dos cavalos, figura incontornável e de
grande saudade, Sebastião Tenório, que foi o pilar e foi “a praia” do arranque
deste novo cavaleiro, cuja estreia ficara marcada num dos festejos de Carnaval
que ao tempo eram tradição na praça do Campo Pequeno e de onde, na parte séria,
romperam nomes grandes da nossa Tauromaquia. Aconteceu na tarde de 2 de
Fevereiro de 1969.
António
Carvalho, que todos conheciam por “Galinha” e era um dos braços-direitos de
Mestre David Ribeiro Telles, descobrira um dia no Alentejo os dotes deste
menino irreverente que teimava em ser toureiro. A visão de “Galinha” fê-lo ver
mais à frente e apostar naquele que ele tinha a certeza de um dia vir a ser
grande nesta arte do toureio a cavalo.
E no
meio de um baralho em que já se destacavam nomes consagrados, apareceu Joaquim
Bastinhas com um estilo muito próprio, uma irreverência que contagiava e uma
ousadia em praça que fazia empolgar e começava, aos poucos, a marcar a
diferença.
Havia
quem não gostasse, até quem dissesse que Bastinhas não era nome de toureiro,
que soava a brincadeira ao lado dos apelidos sonantes daqueles que com ele
contracenavam nesta página nova que se estava a escrever no Toureio a Cavalo.
Mas a
realidade é que ele impôs a sua forma distinta - e também revolucionária - de
interpretar, dentro dos parâmetros que os livros antigos ensinavam, mas com um
toque demasiado próprio que a ninguém era indiferente, a arte tão nobre e tão
séria de lidar toiros a cavalo.
Recuperou
a sorte do par de bandarilhas a duas mãos, que os antigos executavam e estava
nesse tempo em desuso, chamando a si essa imagem de marca que ficou pelo tempo
fora. E foi, ao longo de mais de três décadas - e é - um toureiro dos de
verdade. Bastará recordar que é ainda hoje um dos cavaleiros que mais vezes
pisou a sagrada arena do Campo Pequeno e aquele que mais vezes enfrentou toiros
da mítica e dura ganadaria Murteira Grave, o que por si só fala do seu valor,
da sua grandeza e da sua afirmação como primeiríssima e aclamada Figura do
Toureio Equestre Nacional.
A
esperada alternativa aconteceu no coração do Alentejo, na histórica praça de
Évora, na tarde de 15 de Maio de 1983, num quadro verdadeiramente de sonho:
como padrinho, José Mestre Batista, como testemunha, João Moura. Confirmou-a no
mesmo ano, a 14 de Julho, no cenário solene da primeira praça de toiros do
país, a do Campo Pequeno, apadrinhado por João Palha Ribeiro Telles, com o
testemunho de Paulo Caetano. E nasceu uma estrela.
Seguiram-se
anos de glória sem fim em que o nome de Joaquim Bastinhas marcou as maiores
corridas das temporadas nacionais e honrou a nossa Bandeira também noutras
paragens, como Espanha (onde triunfou na mais importante praça do mundo, a
Monumental de las Ventas, em Madrid), França, Grécia, Macau, México e
Venezuela, solidificando e consagrando uma carreira única e tornando-se no mais
popular e no mais aplaudido dos cavaleiros lusos. No mais emblemático, também.
Espécie de “El Cordobés” do toureio equestre, nem melhor nem pior que os
outros, apenas e só, diferente. E único.
A
carreira, a trajectória e a própria vida de Joaquim Bastinhas confundem-se e
são parte integrante da História e da evolução da Tauromaquia portuguesa - onde
ele tem um lugar à parte.
Chegar
e vencer nunca foi difícil. O difícil é depois manter-se e jamais perder a
estrela que faz de um artista um fenómeno de massas, um ídolo de multidões. Foi
assim José Mestre Batista. É assim, ainda e sempre, Joaquim Bastinhas,
protagonista de uma ascensão meteórica que, depressa e mercê do seu valor, da
sua raça, da sua força interior e da sua rara intuição, o elevou aos mais altos
patamares do mundo do toureio, tornando-o um caso de popularidade entre os
aficionados e até mesmo os não aficionados, uma figura de Portugal e um dos
grandes ídolos do país da segunda metade do século passado.
Não é
fácil, não foi fácil, chegar onde chegou - e como chegou. Trabalho árduo, fruto
de uma entrega desmedida, de uma paixão incontrolável e de um louvável saber
estar - só próprios dos eleitos, dos que se destacam entre a multidão, dos que,
pela sua arte, conseguem marcar a diferença.
Menos
fácil terá sido para Marcos Tenório, seu filho, também já anunciado nos cartéis
como o novo Bastinhas, chegar e triunfar num mundo onde ainda pairava a força
de seu pai.
A
escola era a mesma, a base era a mesma e o estilo não se diferenciava muito.
Natural. Mas… e depois? Como singrar num meio onde ainda reinava Joaquim
Bastinhas e sobre o jovem cavaleiro recaía o peso de um nome, de uma imagem e
de uma figura com quem não podia haver comparação possível?
É
aqui que reside todo o valor da nova estrela. Do novo Bastinhas. Difícil ser
filho de quem é e também se impor. Problemático entrar numa arena e triunfar
sob a sombra do progenitor, que se mantinha e não dava tréguas na arena a
ninguém, nem ao filho.
Mais
complicado ainda: chegar e vencer num momento em que se estavam também a
afirmar a maioria dos filhos das grandes figuras da época de seu pai. Não foi
num instante. Foi aos poucos. E foi à custa do seu valor, da sua raça, de nunca
virar a cara aos desafios, de “pôr a carne no assador”, como se diz na gíria,
de tarde em tarde, de triunfo em triunfo, até chegar à afirmação, à consagração
e a receber dos entendidos o respeito e a consideração que se têm pelos bons
toureiros.
Marcos
foi-se impondo nas arenas até chegar à alternativa, vinte e cinco anos depois
de seu pai a ter tomado, o que aconteceu no novo Campo Pequeno na noite de 10
de Julho de 2008. Apadrinhou-o o pai e testemunharam o acto dois outros nomes
grandes, Paulo Caetano e seu filho João Moura Caetano.
Na
temporada de 2018, Marcos Tenório vai cumprir o 10º aniversário da sua carreira
como cavaleiro tauromáquico. Uma década em que também ele marcou. É óbvio que a
aficion o olha como o filho de Joaquim Bastinhas e ele próprio, no seu conceito
de interpretar o toureio a cavalo, não foge dessa realidade, nem se procura
afastar da responsabilidade que acarreta aos ombros por ser filho de quem é.
Mas a verdade é que Marcos Tenório, pelo seu arrojo, pela sua verdade e pelo seu toureio emotivo, soube honrar o passado, afirmar-se como fiel - e, mais que fiel, digno - sucessor de um nome grande da Tauromaquia lusa, afirmando-se entre os primeiros e dando continuidade ao fulgor e à glória que seu pai escreveu nas arenas - e por certo, voltará a escrever - durante mais de trinta anos.
Mas a verdade é que Marcos Tenório, pelo seu arrojo, pela sua verdade e pelo seu toureio emotivo, soube honrar o passado, afirmar-se como fiel - e, mais que fiel, digno - sucessor de um nome grande da Tauromaquia lusa, afirmando-se entre os primeiros e dando continuidade ao fulgor e à glória que seu pai escreveu nas arenas - e por certo, voltará a escrever - durante mais de trinta anos.
A
História repete-se. Repete-se sempre. Há hoje um novo Bastinhas que consolida
um “segundo capítulo” de uma verdadeira epopeia de grandeza, de arte e de
glória na Tauromaquia nacional.
E é
por isso que aqui estamos. O Fado, disse Camões, é o Destino dos portugueses.
Cantá-lo é também cantar - e contar - a nossa História. A História da Dinastia
Bastinhas, neste caso. Uma História de Vencedores.
Miguel
Alvarenga